quarta-feira, 3 de março de 2010

Palavras e atos se escondem através de lentes da legalidade

Um delito é muito mais que seu significado; Nesta palavra se esconde toda a história de uma sociedade que se alimenta de suas estruturas fechadas para perpetuar o poder. Delitos são atitudes que contradizem a lógica societal de uma época, originados por uma ideologia dominante, na medida em que esta impõe valores, oferece explicações e mecanismos de controle das relações individuais que fujam ou questionem de alguma maneira os padrões da coletividade.
O ponto central reside em pensar o delito também como uma reação da subjetividade perante as dificuldades do mundo contemporâneo.
A indistinção entre delito e ideologia dominante, como ditadora de normas e padrões de conduta é a base que circunscreve a história do cárcere enquanto instituição central na contenção dos desvios. O cárcere foi gradualmente substituindo a punição corporal como mecanismo de punição dos desviantes e supressão da criminalidade, com promessa de reestituir os sujeitos, com o intuito de “reeducar”, “ressocializar”, de expurgar os sujeitos de seus atos, para logo após tornar à vida em sociedade.
Os avanços da sociedade industrial e o desenvolvimento científico coexistem em uma aliança que parece de alguma maneira enredar o homem em suas premissas. A dominação o transforma em um ser sem especificidade, alienado, “coisificado”, um produto do sistema.O desenvolvimento trouxe uma ambiguidade não resolvida: Instrumentos que visam por um lado a libertação dos sujeitos podem também se converterem em meios de manipulação ideológica quando se colocam à serviço de apenas uma classe.
Se os interesses econômicos prevalecem na determinação dos fatores gerais da vida cultural, social e política da sociedade, prevalecem tambem as idéias retrógradas, conservadoras que inundam o senso comum através de mídias jornalísticas, banalizando o crime, explicando e se apropriando de um discurso fajuto para sustentar teses que pedem cada vez mais do Direito penal rigidez, como se esta fosse a solução mágica para o problema crescente da criminalidade e da superlotação prisional.
É importante ressaltar que, a princípio o desenvolvimento de um código de punição(o fim do olho por olho) pareceu colocar ao homem a possibilidade de ter sua liberdade e segurança, de retirar e punir da sociedadde os que dela se desviassem e relevar, ao mesmo tempo, o fardo de sujar com sangue as próprias mãos ao deixar de punir o corpo para punir a alma, utilizando o tempo para isso. (Foucault,1977).
Não era mais o simples punir por punir, passava de um caráter meramente retributivo da pena para o caráter de prevenir. A prevenção geral atribuia a pena o fim de evitar novos delitos, resguardando a sociedade e a prevenção especial que agia no sentido de coibir a reincidência por meio da readaptação do apenado a sociedade. Passava ao Estado de Direito a função de conduzir o delitante as normas e conduta desejáveis para a vida em sociedade.
Porém, com a utilização indiscriminada do Direito, os sujeitos são gradativamente condenados a uma nova forma de alienação com a promessa fugaz do fim ou pelo menos supressão da violência por meio da segregação dos delitantes, presos não por seus crimes unicamente mas também por seu recursos (ou falta deles) de ajuste a uma vida digna na era do capital.
Pois o problema da crescente criminalidade ,atualmente, se resolve a curto prazo, com efeitos vistos na área econômica (a prisão como gestão da miséria), na área política assessorada pela mídia (Nunca se prendeu tanto, batidas policiais, mortes ou desaparecimentos de “vagabundos”- leia-se pobre, sem emprego, favelado e não raro – negro). Toda essa nova configuração do Estado providência para o Estado punitivo, Welfare para Workfare (Wacquant,1999) não faz senão esconder o problema da concentração e exclusão social de nosso sistema. É como quase se os sujeitos necessitassem serem curados da própria condição humana. Para a sociedade atual parece ser esse o remédio com a solução mais eficaz, asséptica e rápida: Garante a sociedade um afastamento da doença, do que causa o medo, o mal estar. O objetivo não é curar, embora seja este o prometido na legislação e sim encontrar a melhor e mais econômica maneira de “administrar” esse mal estar. O espantoso é que, assim, o sintoma para qual o remédio foi preescrito deixa de funcionar como elemento deflagrador de questionamentos e se converte em seu substrato, no alimento desta subvida em sociedade.
A cristalização das estruturas sociais e a tentativa de adaptação do homem a uma existência alienada e alienante, são características da evolução da sociedade capitalista, que gere e alimenta tensões, angústias e disposições que o sujeito vive como próprias. Assim, os delitos ocupam papel social de saídas, caminhos que os sujeitos buscam na tentativa de solucionar problemas que lhes são transcendentes.
Tomado como inevitável, o atual modelo social tem sido concebido como o curso natural da história da nossa civilização. Bem como sabemos, a busca de soluções mágicas e ideais igualitários são tão antigas quanto a humanidade, mas o cenário vivenciado por nós enquanto sujeitos do mundo, sobretudo ao que nos diz respeito -o sistema carcerário- é um cenário de gestão da criminalidade e da pobreza.
O quão espantoso é ver o ser humano reagir, defender-se, procurar formas (aqui sem juízo de valor) de adaptar-se ao seu meio, de perpetuar sua vivência? “ O lobo é o lobo do próprio homem”. Estamos entrando em um novo estado de natureza em que direitos humanos e leis não são respeitados ou será que de lá nunca saímos?

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